A visita do Rei Armindo Francisco Kalupeteca “Ekuikui V” e da Rainha Joaquina Kassueka Tauape ao Brasil

O olhar de uma afrocubana por Msc. María-I. Faguaga Iglesias – Antropóloga e Historiadora

Para uma afrodescendente cubana e afro religiosa chegar ao Brasil no plano espiritual pode ser, é, uma benção

Chegar num momento histórico de definições e redefinições a nível mundial, regional e nacional agudiza a importância da estadia.

É a descoberta dum Brasil em processo de redefinições sociológicas e pode que antropológicas. Dum Brasil que começa a mostrar ao mundo um novo rosto ou, possivelmente, esteei agora mostrando o verdadeiro. Onde a população afrodescendente encaminha batalhas para mostrar que ela é mais que dança e musica e que se tem ganhado um espaço com dignidade em sua terra.

É ter a oportunidade de nos descobrir em nossas heranças comuns e em nossas diferencias. É identificar as possibilidades de nos acercar, de nos reconhecer em uma linguagem extra verbal comum, em um patrimônio étnico-cultural compartilhado, em uma mistura de raças similares que tem resultado em fenótipos igualmente parecidos. É tudo isso por momentos se impõe, além de nossas peculiaridades.

Uma história comum de (falsas) descobertas europeias, de colonização forçosa, de imposição da escravatura e de posteriores nascimentos de republicas com nações plurirraciais e pluriculturais, nos acerca.

A imposição republicana de projetos nacionais errados pelo excluíntes é outro elemento de similaridade. Quanto também à carga que até o presente temos de dados errados, meias verdades e omissões fundamentais em nossas historiografias, afirmadas estas em olhares colonialistas ou colonizados.

Como no Brasil em Cuba tivemos (nos passados anos ’80) a visita do rei do povo ioruba, da sagrada cidade de Ilé Ifé, na Nigéria. Ainda bem não ter sido com carácter oficial nem ter se dado o encontro do jerarca com seu amplo povo religioso afrocubano, a visita até hoje tem marcado um acontecimento histórico para nós. Porém, nunca temos disfrutado à visita dum rei bantu.

É assim pese a que, também quanto no Brasil à presença da população bantu que foi levada escravizada para a Ilha tem sido numerosa e sustenida. Pese a que sua densidade quantitativa e qualitativa tem revestido tamanha significação como para ter conformado a criação da Regula de Pão Monte, equivalente ao brasileiro Candomblé Congo-Angola.

“Afrodescendentes: reconhecimento, justiça e desenvolvimento” é o lema da Organização das Nações Unidas para a Década Internacional dos Afrodescendentes (a comemorar desde o 1 de janeiro de 2015 ao 31 de dezembro de 2014). No entanto, as pessoas que profissional ou politicamente nos implicamos nas causas das populações marginalizadas, excluídas ou em qualquer situação de vulnerabilidade somos conscientes de que não pode haver justiça e dificilmente haverá desenvolvimento sem reconhecimento.

Por isso para uma observadora cubana a próxima visita (a se realizar desde o 4 de abril) do Rei do Bailundo (pertencente ao povo bantu) Armindo Francisco Kalupeteca “Ekuikui V”, a Rainha Joaquina Kassueka Tauape e sua comitiva ao Brasil, é motivo para se congratular quanto para refletir. Momento para tomar o alento que nos permita agir com efetividade pelo desenvolvimento com equidade da afrodescendência que hoje somo o fruto daquela diáspora que nos foi imposta um remoto dia, ou à qual somos cominados na atualidade.

Este é também momento para destacar que a afrodescendência pelo mundo e nossa grande família ancestral africana temos mais em comum do que muitas vezes achamos. É momento histórico e simbólico.

Momento para nos reforçar no espirito da resistência que herdamos de nossos e nossas ancestrais da terra mãe africana, e daqueles e aquelas que já nasceram nesta terra mãe americana, mas que conservaram, recriaram e nos transmitiram os valores, as filosofias, as costumes e em geral muito das culturas africanas.

Este é momento para nos rearticular em alianças de colaboração não só para o cuidado de nossas culturas, senão também para visibilizar nossas contribuições nas fundações de nossas nações americanas e para nos reforçar na luta pelo verdadeiro reconhecimento de nossos co-protagonismos nas reproduções destas.

Por isso a importância do carácter oficial da visita do Rei Armindo Francisco Kalupeteca “Ekuikui V”, a Rainha Joaquina Kassueka Tauape e sua comitiva ao Brasil.

Por isso a importância que para a realização desta tem os esforços articulados de organizações do movimento negro brasileiro e de povos e comunidades tradicionais de matriz africana, além da participação de acadêmicos e pesquisadores, de autoridades governamentais e, entre estas, da Ministra de Estado Chefe da Secretaria de Politicas de Promoção da Igualdade Racial – Seppir/PR, professora Nilma Lino Gomes, afro-brasileira.

E por isso a importância de que em sua visita ao Brasil o Rei “Ekuikui V” estará representando ao Estado de Angola, onde os Ministérios da Cultura de Angola, da Administração do Território e alguns outros órgãos do governo tem se empenhado em facilitar os preparativos para a viagem. Nesses 20 dias o Rei do Bailundo, Armindo Francisco Kalupeteca “Ekuikui V”, a Rainha Joaquina Kassueka Tauape e sua comitiva acompanhante serão uma espécie de representação diplomática angolana em terra brasileira.

20 dias nos quais os visitantes serão recebidos em 8 Estados e visitarão lugares de resguardo da memória ancestral africana e afro-brasileira de forte presença bantu-angolana.

O Memorial Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga (Alagoas); o Cais do Valongo, que faz parte do Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, do Rio de Janeiro; o Quilombo do Cafundó, no Vale do Ribeira (São Paulo); os Terreiros de matriz congo-angola em Salvador, o Terreiro de Matamba Tombensi Neto (casa de cultura tradicional angolana fundada em 1885 na periferia de Ilhéus), no sul da Bahia, são alguns desses sítios históricos.

Por enquanto fica esperar ao próximo 4 de abril e orar pelo desenvolvimento dum percurso que vai ter de história e de espirito. Fica a esta afrocubana hoje em terra brasileira esperar se fortalecer também com a presença dos nossos comuns ancestrais bantu, e orar para que o Decênio da Afrodescendência ofereça ao povo cubano e afrocubano a benção da presencia na Ilha de algum dos monarcas ou das lideranças religiosas africanas.

Modu pué.

São Paulo, segunda-feira, março 16 de março de 2015; 21:17.-