O dilema afro-diaspórico

“Negro tem duas dimensões…”

Franz Fanon

Ainda são persistentes os sintomas do colonialismo no modo como se travam as relações sociais no Brasil. Aliás, a formação da sociedade brasileira é pautada sobre o extermínio e neutralização da população autóctone e dominação dos povos africanos escravizados. A divisão social do trabalho determinada por critérios étnicos provocou a miséria e alienação de grande parte da população negra e, concomitantemente, o alargamento dos privilégios de senhores de escravos e seus descendentes. Esses sintomas são facilmente perceptíveis hoje e sentido com um grau maior de intensidade pelas populações negras na diáspora brasileira, alocados nos bolsões de pobreza e nas prisões.

Não se trata de um discurso vitimizador, como querem categorizar os formadores de opinião representantes da Casa Grande (intelectuais financiados pelas oligarquias empresariais, líderes da indústria cultural, dirigentes de instituições normativas etc.). Tal discurso não é o da vítima, em última análise pode ser encarado como o do vingador.

Temos observado a recrudescência das hostilidades dirigidas à população negra e às suas manifestações culturais. Alguns fatos refletem tal processo: o crescimento das religiões neopentencostais que promovem uma verdadeira “caça às bruxas” sobre as religiões de matrizes africanas (utilização do cristianismo como instrumento de dominação), o assolamento da juventude negra, promovida pela polícia (aparelho de repressão do Estado, organizado para a manutenção da ordem estabelecida e consequentemente subalternidade da população negra), os avanços conseguidos pelos Movimentos Negros também colocaram em xeque a permanência e naturalização dos privilégios dos descendentes da Casa Grande.

A política de cotas, por exemplo, tem despertado toda a sorte de reações contrárias por parte das elites e por uma classe média ignorante. Todo esse palco armado pode é traduzido pelas insígnias do conflito entre um grupo étnico contra outro, ou se preferirem, “luta de classes”, todavia sabemos qual é a cor desta ‘classe’ tomada como agente revolucionário: ela é negra.

Aqui se estabelece a questão, o negro(a) sempre foi posto de lado historicamente na construção e significação da idéia de nação, nunca foi realmente integrado ao Estado brasileiro a não pela perspectiva da exploração e subalternidade, além de tudo tendo que ver suas manifestações culturais serem usurpadas pelos grupos dominantes (processos de embranquecimento do candomblé e capoeira, por exemplo).

Diante disso qual o sentido de se ufanar uma identidade brasileira que sempre nos foi estranha e hostil, embora tenhamos dado a ela o que possa ter de mais belo. Sim, tivemos que assimilar a língua e alguns modos do opressor como estratégia de sobrevivência, no entanto nossa condição jamais nos permitiu ignorar quem somos, por isso a duplicidade afro-diaspórica representada no processo de apoderamento dos códigos e jogo com os valores do opressor e manutenção, conservação e reprodução de nossa própria cultura, eis o dilema do afro-diaspórico.

É preciso que se reconheça a necessidade de solidariedade irrestrita a todos os povos negros da diáspora por parte da própria população negra e entender com perfeição o nosso papel na história, que de um modo ou de outro conseguimos intuir em nossos ritos de iniciação.

Nguzo!