Toma kwiiza kya kizoonga bantu! Nzaambi kakala yeto!

*Taata Lubitu Konmannanjy – Unzó kwa Mpaanzu – Raimundo Nonato da Silva, presidente da ACBANTU

Ao realizar a KIZOONGA BANTU no período de 11 a 14 de Fevereiro de 2003, a ACBANTU promoveu a criação de um espaço de renovação e inovação para as Famílias Religiosas Bantu que discutiram sua organização interna e conheceram outras Famílias: vimos nossos costumes, socializamos ações em defesa dos direitos do Povo do Candomblé, conhecemos Projetos sociais realizados para o benefício da comunidade local e de suas casas, estabelecemos novos veículos de comunicação, fortalecendo e formando as lideranças para a Preservação do Patrimônio e Identidade Cultural Bantu e para a proposição de atividades alternativas para suas comunidades.

Para realizar a Kizoonga Bantu contamos com a solidariedade e o patrocínio da Coordenadoria Ecumênica de Serviços- CESE, a Casa de Angola na Bahia, Consulado do Gabão, Centro de Estudos Afro Orientais, Associação das Baianas de Acarajé, Associação Brasileira de Capoeira Angola, Bahia Axé Studio Gráfico e o Sindicato dos Bancários.

Contamos ainda com duas participações fundamentais: a primeira, a dos Diretores e Associados que não mediram esforços para preparar esse evento. A outra participação fundamental, com certeza foi a dos nossos Ancestrais, os Bakulo que se fizeram presentes e a partir de cada uma das Famílias nos trouxeram lições de grande importância. Eles que são as nossas Raízes religiosas, culturais, de resistência, de Vida! Eles que profundamente amaram os Bankisi, por eles viveram e nos deixaram sua herança.

Sendo assim, passo a comentar, dentre as muitas lições que aprendemos na Kizoonga Bantu, aquelas que mais me falam ao coração, aquelas que para mim representam nossa Herança Bantu: Resistência e Identidade. Falo a partir das Famílias: Maria Neném, Gregório Makweende, Amburaxó, Da Goméia e Mariquinha Leembá .

LUJIKU – RESPEITO: FAMÍLIA MARIA NENÉM

Maria-Nenem

“A senhora Maria Genoveva do Bonfim nasceu no dia 20 de janeiro de 1865. Foi iniciada por Roberto de Bairro Reis, Taata Kimbanda Kinungu. Ficou conhecida como Maria Neném e se tornou a grande matriarca de uma Família da qual se originaram inúmeros Terreiros do Candomblé da Nação Angola, dentre eles: Tumba Junçara, Bate Folha, Tanuri Junçara, Awziidi Junçara, e tantos outros na Bahia e em todo o Brasil.
Seu Terreiro se localizava no Antigo Bairro do Beiru, Rua Melo Morais Filho, com o Nome de TUMBENCI. Atualmente o Terreiro continua na mesma rua, sendo o Bairro conhecido hoje como Beirú-Tancredo Neves, e tem a frente a Sra. Geurena Passos Santos, tendo como nome sagrado Nengwa Kwa `Nkisi Leembá Muxi. Maria Neném faleceu no dia 21 de Abril de 1945.”

Ao reverenciar a memória de Maria Neném, importante matriarca da Tradição Bantu, a Kizoonga Bantu teve a honra de contar com a presença da Srª Geurena, atual Nengwa Kwa Nkisi do Terreiro Tumbenci, raiz fundada por Maria Neném. No entanto, muitos membros de sua família não sabiam que o Tumbenci estava aberto. Com surpresa e felicidade este fato foi mencionado nos diversos depoimentos que se seguiram.

Devido à prática, já existente na Família Junçara de reunir-se com freqüência para manter suas tradições, o seu jeito de ser e pesquisar a vida de Maria Neném foi possível motivar uma reunião no Terreiro Tumbenci.

A lição que aprendemos com Maria Neném na Kizoonga Bantu é uma exigência de diminuirmos as distâncias entre nós. De mantermos as portas abertas uns aos outros e principalmente, retomar a prática de visitas e participação nas festas uns dos outros. Nossa força está na união, no combate à falsidade e a tudo o que pode vir a nos desunir.

NZINGU – LUTA: FAMÍLIA AMBURAXÓ

“Como começou o Terreiro Amburaxó?
Em 1910 na Fazenda Beiru, o Sr. Miguel Arcanjo de Souza comprou as terras da Família Hélio Silva Garcia e lá instalou em 29 de janeiro de 1910 o Terreiro do Ekutá Angwe Nvunji Kimbunji, na rua da Lagoa, nº 28 – Beiru, atual Bairro de Tancredo Neves. Constitui-se uma nação que já naquela época sofreu com a discriminação, devido a sua diversidade religiosa, entre o próprio Povo do Candomblé. Hoje em dia, quase ninguém ouve falar dessa Nação. O saudoso Miguel Arcanjo pertencia ao `Nkisi Masaangwa ye Nzazi, ficou conosco até 16 de maio de 1941, com 81 anos de idade, sua dijina é Masaangwa, Rei de Ngoongo. Com o passar dos anos, a comunidade sofreu inclusive uma desapropriação. Os descendentes de Amburaxó com casa aberta foram poucos. Sabemos de Pedro Duas Cabeças, que resistiu com o Candomblé Amburaxó até sua morte. Nunca passou para o Ketu, mesmo sofrendo críticas. A finada Morena, que abriu o Terreiro V. São Roque. No entanto, após seu falecimento, não havia quem prosseguisse com os fundamentos Amburaxó. A partir daí, o Terreiro V. São Roque se tornou Ketu.”

A Lição que aprendemos com Taata Masaangwa é sem dúvida a resistência. A discriminação racial vem se “re-editando” sob diversas máscaras em nossa história. O racismo institucional fez da intolerância religiosa seu braço atuante: feroz e incansável, agressor e assassino. Não vamos nos enganar: a intolerância religiosa nada mais é do que uma face do racismo que vem marcando nossas histórias e perpetuando as desigualdades sociais em nosso mundo e vem motivando dois terços das atuais guerras.

Aqueles que descobriram o “lucro monetário” que o racismo gera, vem se especializando nas formas mais perversas de agressão. Assim, os meios de comunicação social são utilizados para manchar nossos princípios e valores mais íntimos.

No entanto, eu me pergunto: de onde vem o farto material que esses grupos têm utilizado para nos agredir, para cometer tais crimes? A resposta está em nossas próprias casas. A resposta está em nós mesmos.

Outro desafio que a lição dos Amburaxó nos traz: precisamos estar mais presentes, a partir do jeito de ser, de aprender e ensinar de nossos mais velhos. Nós sabemos que estamos diante de bibliotecas vivas e como em qualquer outra biblioteca é preciso “solicitar o acesso, fazer a carteirinha, escolher o livro, ter cuidado e zelo por ele, fazer silêncio para realizar a leitura, apropriar-se do seu conteúdo, falar sobre ele com os companheiros, retornar muitas vezes à biblioteca, levar o livro para casa…”, enfim, precisamos nos convencer que o conhecimento de um mais velho é um tesouro escondido em um frágil baú.

LUZOLELU – CONQUISTA: FAMÍLIA MAKWEENDE

“O Terreiro Unzo de Taata Makweende foi fundado por Constâncio Silva e Souza, angolano de nascimento, no Bairro do Cabula, em um lugar chamado Girão e mudou-se duas vezes. A primeira para o Jardim da Armação e depois para a Ladeira do Caxundé, na Boca do Rio. Respectivamente sucessor de Constâncio, Gregório Makweende, filho consangüíneo deste, foi iniciado para o `Nkisi Leembá quando assumiu a direção do Terreiro. Recebeu o título de Taata Kimbanda. Gregório Makweende nasceu em 1874 e faleceu no dia 25 de abril de 1934. Depois dele o terreiro foi dirigido por Romana França Souza, filha consangüínea de Gregório e com o falecimento desta passou a ser dirigido por sua filha Heloína Souza Santos. É um terreiro destinado mais aos cuidados dos filhos consangüíneos. Segundo o professor `Nlaandu Laanda `Ntootila a palavra Makweende significa “Sacerdote encarregado do culto a Nkosi Mukuumbi”.

Uma grande lição que aprendemos com Taata Makweende foi a união de sua família: crianças, sobrinhos, netos. Uma família de 10 irmãos que moram em volta do Terreiro. Com dedicação e resistência se dedicam totalmente ao Unzó.

Diante de sua riqueza histórica e pela união de seus familiares as pesquisas da ACBANTU acabaram por constatar que o Unzo Taata Makweende trata-se de um verdadeiro Quilombo Urbano. Mesmo assim, para que se possa prosseguir na solicitação da titulação como Comunidade Quilombola, todos os membros da família aguardam a autorização de seus Ancestrais. Assim, podemos constatar que a união entre nós gera de forma contínua e permanente, as respostas para a dignidade de nossas vidas e de nossos filhos. Uma verdadeira proteção contra pessoas que se aproximam de nós vestidos de cordeiros, sendo na realidade lobos famintos querendo nos destruir.

KISALU – SERVIÇO: FAMÍLIA DA GOMÉIA

“ O Taata kwa `Nkisi Joãzinho da Goméia, João Alves Torres Filho, nasceu em Inhambupe, no Estado da Bahia, no dia 27 de março de 1914. Do terreiro da Goméia em São Caetano, na cidade Salvador- Bahia, vieram os primeiros filhos que aprenderam, a exemplo de seu Taata a receber em seu terreiro despretensiosamente, quantos o procuravam, sem distingui-los pelo credo religioso, política, condição social e racial, posto que, segundo as determinações de seus Bankisi, a caridade, o bem comum, a paz estavam acima de tudo.”

A presença dos descendentes de João da Goméia na Kizoonga Bantu proporcionou a todos os presentes momentos de profundo desafio em relação ao papel social dos Terreiros na organização e realização de ações que possam gerar o bem comum entre seus filhos e na comunidade local.

O Terreiro S. Jorge Filho da Goméia, da lendária Mirinha do Portão, desenvolve importantes iniciativas de trabalho social com crianças e adolescentes. Um exemplo de organização social, auto estima e celebração da Cultura Bantu. Todo o bairro está inserido em seu trabalho social e desta forma o Terreiro vem gerando emprego e renda para suas famílias, preparando jovens para buscarem com dignidade seu primeiro emprego. A nossa cultura se expressa em um serviço singular e fundamental na construção da cidadania.

LUSANSU – TRADIÇÃO: FAMÍLIA MARIQUINHA LEEMBÁ

“Falar de Mariquinha Leembá é difícil porque se tem pouca coisa registrada. De caráter arredio, não gostava de fazer o santo de homens. Ela teve um único filho de santo homem: Nicasio Manuel dos Reis, dijina Ngonbenazaze. Ela se escusava de atender pessoas que não eram negras, estudantes, jornalistas, pesquisadores, etc.”

A Família Mariquinha Leembá nos fez recordar a Lição da convivência em nossas casas. Antigamente as pessoas tinham mais tempo para conviver na roça, e observavam mais coisas. Não questionavam, observavam, aprendiam. Hoje as pessoas tem menos tempo para conviver e questionam muito.

No entanto, é preciso re-descobrir formas de aprendizado e convivência. É fundamental estar atento aos mais velhos. As gerações de hoje tem dificuldades de ouvir histórias. Parar para ouvir. Muitos mais velhos estão cansados e parecem não acreditar no interesse em aprender dos mais novos.

Com o passar dos anos, nós estamos perdendo muito. Hoje a maioria dos terreiros já não fazem mais nkita, kitaanda. Infelizmente muito de nossas Raízes estão se perdendo. A responsabilidade é somente nossa. Ao perder a tradição oral estamos perdemos nossa identidade.

Temos que ser mais pacientes entre nós. Precisamos conversar mais com os nossos mais velhos porque eles são a chave. Eles nos ensinam e nos dão respostas para muitas perguntas que pairam em nossas cabeças. A nossa Religião conta principalmente com a Oralidade para sobrepor-se aos obstáculos do dia a dia.

Nós podemos re-inventar momentos e condições para motivar os mais velhos e os mais novos neste processo. É preciso resgatar nossa historia. E com tempo. As pessoas mais velhas não se expõem de primeira linha. É preciso se reunir mais e mais, transmitir confiança aos mais velhos. Ficamos esperando que as pessoas antigas cheguem aqui e abram o livro. Mas, que livro? Quão importante é este livro? Quem quer ler este livro? É um livro na verdade, não escrito.

Vou pedir licença para repetir as palavras da Mameto Jiringê, a sacerdotisa mais idosa e com casa aberta da Família Mariquinha Leembá: “Uns preparam e tem fé: segura. Tem outros que não tem fé: deixam tudo a toa. Quem não tem fé pode segurar alguma coisa? Não pode. A aula é a fé. A gente deita no chão com a roupa limpa, suja, não liga. Porque é a fé. Tem que saudar o `Nkisi. Tem que deitar para saudar. Seja lá de que idade for. Não tem idade, porque é velho no santo? Não tem nada disso. Tem que deitar para saudar. É a fé. Se não teve fé não existe nada. Tudo é nada. Aquilo se acaba ali. A verdadeira é a fé. Diga o que quiserem: candomblé é ilusão, etc. Tenha fé e segure. Deixe quem tiver que dizer o que quiser. Cuide do que é seu. Zele. Reze com fé, e aí pronto.”

Outro aspecto importante que aprendemos com Mariquinha Leembá é o fato de guardar nossos saberes para quem é da comunidade. Ou seja, nós temos que ser os sujeitos da produção cultural de nossa religião. Devemos pesquisar, nos apropriar da nossa história de dentro para dentro. Não precisamos de pessoas de fora para nos tornar objeto de pesquisa. Nós somos a Cultura. Atualmente vários Terreiros realizam pesquisas de si mesmos com propostas de Museus Comunitários: preservando a memória de seus Ancestrais; ou ainda pesquisas sobre suas origens, Patrimônio Imaterial, etc.

There are 2 comments. Add yours

  1. 18th setembro 2018 | Kiko do beiru says:
    Gotaria de falar sobre o terreiro de amburaxo, porque o nome do terreiro não é este citado aí , e quem escrevem ele de forma errada foi komonaji, o qual não aceitou o verdadeiro nome da casa por falar que a casa tem o nome de vumbe.
  2. 26th setembro 2018 | admin says:
    Bom dia Kiko, pode entrar em contato comigo pelo email uilian.vendramin@gmail.com