Cosmogonia, feitiçaria e magia entre os Bakongo

mascaras-africanas

No momento, utilizaremos a palavra Kongo no que se refere as populações bantu chamadas Bakongo (pl.) originárias do antigo reino do Kongo que compreende os dois Congos (ex Belga e Francês), assim como o país de Angola e a atual Cabinda. Sendo assim, os cultos sincréticos afro-americanos que serão analisados trazem emblematicamente em seus nomes os termos de Angola, do Congo ou mesmo de Cabinda, Mayombe ou qualquer outra região do ex-reino do congo, que serão os nomes diferenciadores e que os distinguirão, como cultos de origem bantu, em contraposição aos cultos de origem yorubana.

A cosmogonia kongo tal como as cosmogonias yoruba e voduns repousa sobre a crença num Deus único (Nzambi mpongo) criador do céu, das estrelas, da lua, do sol e da terra. Ele criou também a natureza e suas forças, os animais, o homem e a mulher. Deus ensinou aos últimos o segredo dos minkissi, dos makutos( amuletos) e do nganga. Feito isso, retirou-se para o céu levando consigo seu lado negativo, Lugombé, facilmente identificado como o diabo, mas que na verdade é apenas a polaridade opositora para que seja mantido o equilíbrio entre o mal e o bem.

Como nas demais cosmogonias, o Deus único deixou entidades intermediárias para velarem pela sua criação. No nosso caso, os equivalentes aos orixás são os Kimbungulu(pl. De mpongo). Entretanto, as relações entre os homens e os kimpungulu não se dão da mesma maneira que seus vizinhos yorubanos, pois entre os congos, o pilar central do fenômeno religioso se constrói numa relação fortemente impregnada de magia que repousa sobre os ancestrais e sobre lugares específicos como os rios, cascatas, fontes, etc. que são habitadas pelos gênios ou espíritos próximos dos ancestrais, colocados a serviço da comunidade, dentro de uma metodologia bem codificada.

É necessário compreendermos que a religião bantu, tal como a dos yorubás e voduns não tem muita coisa a ver com nosso conceito de religião. As religiões africanas deverão ser vistas como um conjunto de práticas rituais e crenças que lhe permitem ao indivíduo esperar que para além da morte estarão perpetuados os laços com os ancestrais que foram elevados à condição de divindades.

Nesse sentido, os ancestrais, as divindades e os espíritos são os guias destinados a ajudar o homem na sua caminhada pela terra. A grande preocupação das crenças africanas é concreta e pragmática : é a preservção da família e do clan. Entretanto, se essas forças podem ser usadas para o bem e podem também ser usadas para fazer o mal. Todas as forças colocadas em circulação pelo culto congo tem como prioridade a magia sobre a religião.

Dentro desse universo mágico religioso há papéis muito bem definidos. Há os iniciadores, os intermediários, os destinatários. O fundamento do sistema se apóia sobre uma especialização das funções, seja no domínio privado ou público. Esta especialização também se estende aos intermediários espirituais que serão utilizados, pois podem utilizar-se das forças, dos espíritos, dos fantasmas, etc. Assim, toda ação de magia terá a intervinência de um sacerdote (feitiçeiro ou mágico do bem), uma entidade intermediária (ancestral ou espírito local) e um destinatário, a coletividade ou o indivíduo.

No domínio público, muitas vezes, envia-se um malefício para o clan ou o grupo social pelas mãos do próprio chefe da vila ou dos anciãos. Para isso eles se utilizam das energias dos ancestrais, no sentido de proporcionarem uma lição àquelas pessoas, e não propriamente no sentido de prejudicá-las. Para tal, concorrem os serviços dos bisimbi (pl. De simbi) que são os espíritos locais benevolentes, com tarefas particulares.

No sentido privado, os atores são também especialistas. Para enviar uma magia negra o feiticeiro ou Ndoki coloca a seu serviço um fantasma (nkuyu) que geralmente é uma alma errante de um antigo feiticeiro ou um membro da tribo que por não ter uma vida respeitável ou por ter se suicidado, não se encontra no mundo dos ancestres. Opondo-se ao feiticeiro posiciona-se o Nganga que vai intervir para realizar os desejos de seu cliente que está sendo prejudicado pelo Ndoki. O nganga vai construir um Nkissi e nele transmitir sua magia. O nkissi constitue-se numa estatueta antropomorfe ou zoomorfe carregada de materias mágicos constituidos de matériais minerais, vegetais e animais carregados de força mágica. Esta estatueta chama-se bilongo.

Na sociedade congo, certos acontecimentos como por exemplo, a morte de uma criança nunca são vistos como coisas naturais, mas sim pelo efeito de feitiçaria resultado da ação de um feiticeiro ou de um ancestral descontente com os seus.

O feiticeiro é dotado de um orgão especial chamado kundu que tem a capacidade de comer a alma de outras pessoas. Qualquer individuo pode ter esse poder e nem saber disso. Nem todos os nganga conseguem ver esse fenômeno nas pessoas, apenas o nganga advinhador é capaz disso, chamado de Nganga Ngombo. Os individuos suspeitos passam por uma prova, ou seja tomam determinadas substâncias que farão com ele será condenado ou absolvido dessa acusação.

No exílio nas américas vemos que a população congo rompeu com parte dessa tradição, pois os laços com os clãs e linhagens foram quebrados. Assim sendo, a magia religiosa ligado aos clãs e linhagens foram totalmente esquecidas sobrevivendo apenas a magia religiosa ligada ao indivíduo.

Como resultado temos duas consequência principais : em certos casos a religiosidade bantu sincretizou-se com outras formas de magia africana como a yoruba, adotando seus deuses (orixás) e mantendo alguma lembrança de seu culto original. Como efeito, os kipungulu, que tem como similares os orixás e os voduns, deixaram de ser venerados. Como consequência, a religião dá lugar a magia e a feitiçaria.

Os nganga passam a ser consultados apenas para resolver os problemas sentimentais, financeiros, de saúde, ou por outros assuntos do cotidiano.
Igualmente, por esta vulnerabilidade, que o culto de Angola, no Brasil, agregou em seu panteão os ameríndios, dando nascimento ao candomblé de Caboclo.

O Palo cubano permanece a forma menos alterada do sincretismo de origem congo na américa latina. Entretanto, não se podemos perder as referências ancestrais de linhagem e do espaço africano no culto original do Congo. Assim, o Palo terá também a tendência de se transformar numa magia do privado em detrimento do coletivo. O nganga em Cuba prepara o recipiente contendo as matérias constitutivas da magia, chamado de prenda e coloca pequenos pedaços de pau que acabaram dando nome ao culto.

O termo nganga atribuido ao sacerdote em África tomou lugar no Mayombe de Nganga judeu quando trabalha com magia negra e Nganga cristão quando se trata de magia branca. A magia branca e a negra sao manipulados por todos os paleros, mas dificilmente um palero admite que trabalha com magia negra.

Em cuba, o termo nkissi seguidamente traduzido pelo termo Inquice é utilizado não mais para definir o recipiente ou o feitiço mas por assimilação ao NKissi (recipiente) bilongo (carrego mágico que contêm os espíritos) a palavra Nkissi acabou por definir os espíritos ou entidades, ou seja, os Kimpungulu propriamente ditos.

Os principais sincretismos encontrados da cultura congo nas américas são o Palo Mayombe de cuba, o candomblé angola do Brasil, assim como o candomblé de caboclo, que recebe os ameríndios, o culto Obeah das antilhas britânicas, o Hoodoo ou Conjure dos Estados Unidos da América, o Kumina jamaicano.

Observação do tradutor:

No Brasil, no candomblé de Congo-Angola também denominamos Nkissi a todas as divindades, tais com em Cuba. Os kimpungulu são chamados no Brasil de Nkissi (plural Minkissi).
Tradução livre do Prof. Dr. Sérgio Paulo Adolfo – Tata Kisaba Kiundundulu
Cosmogonie, sorcellerie et magie chez le Bakongo.

2 comentários em “Cosmogonia, feitiçaria e magia entre os Bakongo”

  1. Fernando Morais

    Gostava de entrar em contacto com as minhas origens. Mas é muito raro encontrar essa gente herdeira e conhecedora de tais práticas… Que nunca tive a oportunidade de contactar directamente.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *