Entrevista com Omolan ya Sekulu Kakolo, Edson Calixto, de tradição Umbundu

Entrevista com Omolan ya Sekulu Kakolo, Edson Calixto, de tradição Umbundu

“Acho que se não houver máscaras, não há África, não há espírito africano, não há os Bantus, não há os chókwè, não há os lundas, não há os bakongos, os mossorongos, todos eles.”

Itapecerica da Serra/SP – Sábado 4 de Janeiro de 2014 houve um encontro de dois gigantes. Dois irmãos separados pela diáspora avassaladora. O encontro entre a África meridional e o Brasil Afrodescendente. Um momento histórico de extrema importância para os povos e comunidades tradicionais de Matriz Africana e principalmente para a Tradição contida no candomblé Congo-Angola.

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Neste dia, Tata Kwa Nkisi Katuvanjesi – Walmir Damasceno, do Inzo Tumbansi Tua Nzaambi Ngana Kavungu e representante do Instituto Latino Americano de Tradições Afro Bantu “ILABANTU” recebeu com muita pompa e maestria Omolan ya Sekulu Kakolo – Edson Calixto, de tradição Umbundu propriamente um descendente dos Tchokwes – nativos localizados ao nordeste de Angola.

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O mwangolê tradicionalista foi recebido e saudado pelo Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi – Walmir Damasceno, que após as saudações de praxe destinadas a dignatários, apresentou o templo ao visitante, que após ser saudado em línguas kikongo, kimbundu e umbundu, este emocionado, pronunciou o seguinte “estou me sentido em casa, sentindo a mesma energia espiritual e ancestral que perpetua a minha terra de origem”.

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Neste momento, com os olhos lacrimejando, percepção que todos os presentes tiveram, Kakolo, visivelmente emocionado, se disse sem palavras para agradecer a calorosa recepção.

Entrevista realizada com o angolano Edson Calixto, “Kakolo”, tribo Chókwè da etnia Bantu, realizada dia 4 de janeiro de 2014 no Inzo Tumbansi/ILABANTU, quando esteve em Itapecerica da Serra para trocar relações culturais e de nossos rituais.

Inzo Tumbansi: Fale um pouco do seu grupo religioso, da família e da sua função dentro desse grupo.

Kakolo: A minha família é praticamente toda no espírito religioso, tanto que minha tia é líder espiritual da nossa congregação religiosa, de nossa família. A minha Mãe é soberana da nossa tribo e da nossa cultura. E a gente preserva muito a questão dos Deuses, dos nossos ancestrais, e estou aqui para mostrar aquilo que posso exprimir para o melhor conhecimento das nossas tribos.

Inzo Tumbansi: Dentro deste grupo o Sr. tem função religiosa ?

Kakolo: Sim, eu sou membro da congregação preparatória, eu sou Zinga Kwo Mona, quer dizer, sou Criança de Zinga. Então estou aqui para mostrar aquilo que posso.

Inzo Tumbansi: Fala um pouco para gente como o povo Bantu enxerga a ancestralidade, como vocês vêem os antepassados.

Kakolo: O povo bantu é um povo muito forte na questão de ancestrais. A maneira de ver o mundo por nossos ancestrais, é a maneira mais sóbria o possível, é a maneira que nós encaramos. O Bantu tem uma cultura, respeita muito a cultura e a cultura é muito forte. O povo Bantu é um povo que vive a cultura, mas ultimamente o ocidente vem ofuscando, as pessoas vão querendo encarnar os ritmos ocidentais, mas nós estamos aqui para prevalecer a cultura e os nossos rituais.

Inzo Tumbansi: Resumidamente o que é o ancestral para vocês?

Kakolo: Resumidamente falando, o ancestral são nosso antepassados, todos aqueles que morreram em prol dos nossos povos.

Inzo Tumbansi: A própria natureza também é um fenomeno ancestral?

Kakolo: A natureza como tal, a vida…

Inzo Tumbansi: Qual o termo vocês usam para se referir às máscaras, o termo geral?

Kakolo: Djaze

Inzo Tumbansi: A pessoa que usa a Djaze, precisa ser circuncidado?

Kakolo: (risos) não . . .

Inzo Tumbansi: A ideia que temos aqui no Brasil, é que o povo Bantu, obrigatoriamente, para ser um iniciado o menino precisa passar pelo ritual de circuncisão.

Kakolo: Isso eu desconheço

Inzo Tumbansi: Fale um pouco para a gente sobre a Djaze, o que ela representa

Kakolo: A Djaze na nossa visão é para além do horizonte, ela que nos dá a segurança, de que estamos com os Deuses

Inzo Tumbansi: Então toda incorporação dos Deuses há obrigatoriedade do uso da máscara?

Kakolo: Sim, a mascara é a visão sobre ele, temos que usar, tem todas as atividades culturais

Inzo Tumbansi: Ela que imprime as características da divindade?

Kakolo: Ela que exprime, que se manifesta. Pelas cores, pelo formato, pelo material utilizado…

Inzo Tumbansi: Mulher também pode portar uma máscara e ela pode incorporar divindades

Kakolo: Sim. . . não estando grávida nem menstruada, sim

Inzo Tumbansi: E uma pessoa branca, pode ser incorporada por uma divindade, um ancestral africano?

Kakolo: Não sei, acho que não (risos) não sei. Depende muito da sua essencia, daquilo que é sua origem. Ainda não vi, ainda é muito vago. Na verdade a questão da cor da pele não conta muito, conta muito a questão do espiritual.

Inzo Tumbansi: A ancestralidade não tem o conceito de sangue, de ter o sangue daquela terra, para ter os ancestrais daquela terra?

Kakolo: Tem que ter o sangue, tem que ter origem. Mas por vezes (as divindades) aceitam as pessoas que aceitam elas de bom grado. . . podem ser adotadas.

Inzo Tumbansi: E as divindades, como são chamadas?

Kakolo: Varia muito . . . Hamba . . .

Inzo Tumbansi: As máscaras desempenham função social, ou política?

Kakolo: Elas estão em todos movimentos culturais, políticas não

Inzo Tumbansi: Político no sentido tribal

Kakolo: Tem, e tem firme isso, as máscaras são simples, para dicernir cada espécie, cada força

Inzo Tumbansi: E o Hamba, a divindade incorporada, conversa com as pessoas ?

Kakolo: É imediato

Inzo Tumbansi: Ela fala com todos, ou tem uma pessoa específica para tratar com a divindade?

Kakolo: Tem uma pessoa específica

Inzo Tumbansi: Aqui a gente tem a visão dos chókwè de máscaras de funções fixas.

Kakolo: Isso varia muito, depende muito

Inzo Tumbansi: Existe aqui no Brasil uma forte oposição da adequação das máscaras no cultos e ritos do candomblé Congo/Angola, qual é a sua opinião?

Kakolo: Acho que se não houver máscaras, não há África, não há espírito africano, não há os Bantus, não há os chókwè, não há os lundas, não há os bakongos, os mossorongos, todos eles. Então, sem mascaras, sem esculpir nada que venha dos Deuses, então não há África.

Inzo Tumbansi: Mas eles alegam que a máscara não atravessou o Atlântico, e se não atravessou, não pode ser introduzida.

Kakolo: A máscara não atravessou o Atlântico porque não lhe foi permitido atravessar. Porque eles atravessaram a cultura Africana forçadamente o Atlântico. Eles vieram pra cá forçadamente, retirados da sua origem violentamente e bruscamente. Alguns deles vendidos por líderes religiosos, Sobas, ofertados para os portugueses, para ganhar algumas malas de espelhos e de objetos.

Inzo Tumbansi: E qual é a sua mensagem para o povo de candomblé de origem Bantu

Kakolo: Eu não tinha visão do que era o candomblé, e não tinha visão de que num candomblé se falasse das nossas origens, africanas, principalmente do povo, da cultura Bantu, no seu todo. O candomblé é cultura Bantu, precisamos levar isso conosco sempre, porque isso é nossa cultura, é nosso . . . e o que é nosso precisa ser divulgado, aceito e respeitado. Essa é minha visão sobre isso.

Inzo Tumbansi: E as cantigas entoadas hoje, são familiares ? Dá para entender algumas palavras?

Kakolo: Sim, é familiar, foi muito aconchegante. São quase iguais, alguma palavra que não se percebe, mas quase iguais. O contexto da frase, a intensão, o sentimento. . . foi muito forte esse sentido espiritual, me senti em casa em outro continente, que você nem imagina que possam fazer isso. Mas eu acho que haver isso, a África, particularmente Angola estará vivendo como se não tivesse saido de casa.

Inzo Tumbansi: O Sr. acha que os Bantus estão bem representados aqui no Inzo?

Kakolo: Acredito que estão muito bem representados. Aqui se faz valer a cultura africana. Os espíritos se comunicam, nessa área de espiritualidade, é um intercambio espiritual, isso é sagrado.

Inzo Tumbansi: E qual seria o seu projeto para o Inzo Tumbansi na questão ancestral/espiritual?

Kakolo: Meu projeto, se me permitirem, é incutir mais vida sobre a nossa cultura, os nossos rituais e poder trazer aqui os nossa cultura em si, como as máscaras e fazer firmar isso nesse espaço, nesse local que me senti que valoriza muito a cultura e se engaja nesse fim.

Inzo Tumbansi: E nós também nos colocamos a disposição da mesma forma. Tuapandula A Kota Yeto!

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Entrevista liderada por Uilian T. Vendramin, de Nlemba, (Assessor de Imprensa do ILABANTU/Inzo Tumbansi) com a participação dos Maganza Arthur Brito, Mambulekwala; Erick Munhoz, Lekwandanxi (Coordenador de Conteúdo e Midias Sociais); e Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi, Walmir Damasceno

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