Itapecerica da Serra/SP – Nem o passaporte diplomático livra Alexandra Baldeh Loras das mazelas do racismo. “Sempre me param na alfândega. Acham que sou uma ‘mula’ [pessoa que faz o transporte de drogas], uma traficante de drogas”, contou a jornalista francesa que chegou à capital paulista, há pouco mais de três anos, na posição de mulher do cônsul-geral Damien Loras, que esteve dia 12/12 no Nzo Tumbansi, terreiro de candomblé de tradição congo angola, em Itapecerica da Serra, região metropolitana da Grande São Paulo.
Nesse tempo, Alexandra já sofreu quase todo o tipo de preconceito que as brasileiras negras e pobres sofrem diariamente. “Em eventos [do consulado] que recepciono, muitos convidados não se dão conta de que sou a consulesa. Mesmo depois que pego o microfone para falar algo, não percebem que era eu a pessoa pela qual passaram sem dar atenção na entrada”, contou a descendente de africano da Gâmbia em sua fala no Terreiro, espaço que pisou pela primeira vez e ficou encantada por ter sido convidada para pisar pela primeira vez em uma Comunidade Tradicional de Matriz Africana.
“O mesmo acontece em hotéis de luxo, que só me tratam bem depois de ouvirem o meu sotaque, ou quando estou no clube com meu filho, quando perguntam o porquê de eu não estar de branco [traje obrigatório em vários lugares para babás]”, acrescenta. O espanto cresce ainda mais quando esse público elitizado a vê ao lado do marido. “Acham que eu só poderia ser casada com alguma pessoa mais velha, me ligando a algum tipo de oportunista, e não com o Damien, que é lindo”.
Em uma tarde de sábado chuvosa, diversas lideranças de povos e comunidades tradicionais de matriz africana lotaram as dependências do Ilabantu/Nzo Tumbansi. Taata Katuvanjesi recepcionou com maestria e presteza a representante do governo francês, Taata Taua, presidente da Cobantu entoou cânticos e saudações aos ancestrais bantu e homenageou a visitante. Íyà Carmem de Oxum (Ilê Olá), Ìyà Iraildes de Ogún, líder do PUPTMA – Pela União dos Povos de Matriz Africana, representou os povos de tradição yorubá juntamente com Ìyà Maria Isabel, entre outros.
Aos quase 40 anos, a consulesa é uma das mais jovens ativistas da causa negra. Nos últimos meses, fez participações em importantes programas de televisão brasileiros e chamou a atenção pela polêmica e astúcia ao lidar com um público muitas vezes avesso às suas ideias. A mesa em que fez parte no Nzo Tumbansi foi integrada por membros do Terreiro e entre eles destaca-se a professora mestra em história africana e afro brasileira, Patricia Cerqueira do Santos, ex-secretária municipal de cultura de Itapecerica de Serra; professor doutor em sociologia pela UFSCar, Deivison Nkosi, diretor de pesquisas e projetos do Ilabantu; Kota Kitamazi N’ganga, a médica Eunice Bernardes, secretaria executiva da Instituição; professora Adriana Vasconcelos e outros.
Além da política antirracista empreendida pelo Ilabantu/Nzo Tumbansi, que busca combater toda forma de discriminação e intolerância correlata e a revalorização do patrimônio cultural africano e afro brasileiro, principalmente em se tratando da cultura bantu, o projeto idealizado por Taata Katuvanjesi – Walmir Damasceno, visa o fortalecimento político dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana.
Em uma das aparições, indagada sobre se concordava com a política de cotas nas universidades, Alexandra respondeu negativamente e foi imediatamente aplaudida com furor pelo público presente, inclusive pelo próprio entrevistador, Jô Soares. Mas o interessante foi o complemento da resposta. Quando a consulesa disse em meio aos aplausos “mas é a única solução” – chamando a atenção para os 127 anos pós-abolição sem êxito em diversos aspectos – um silêncio absoluto pairou sobre as mesmas pessoas. “É uma das maneiras como eu consigo colocar o assunto. Se você pega uma plateia como aquela, você não pode já dizer o que pensa porque a discussão se fecha”.
O discurso de Alexandra é recheado de números e percentuais, fruto de quem já passou por mais de 50 países e abraçou a causa do preconceito nas redes sociais e na vida pessoal. Ela sabe que o Brasil tem 57% da população formada de pretos e pardos (segundo o IBGE), que 85% das crianças negras apontam a boneca negra como a “má” e que os negros são responsáveis pelo consumo de mais US$ 49 bilhões no País. A consulesa, que considera a leitura do livro “As minhas estrelas negras”, de Lilian Thuram, um resgate da sua própria autoestima, usa então da sua própria experiência para dizer que o negro no Brasil precisa ser sacado do clichê ainda presente da dupla futebol-samba.
Ao final do encontro no Ilabantu/Nzo Tumbansi, a consulesa francesa foi homenageada pelo Afoxé Filhos de Ganga Zumba, de Cubatão/SP, momento em que Alexandra Loras impressionou a todos e chamou atenção dos presentes e mostrou que também tem o samba no pé. Dia 17/12, a Consulesa Alexandra Loras, recebeu em audiência privada na Residência Consular, no Jardim Europa, bairro de classe alta da capital paulista, o Taata Katuvanjesi – Walmir Damasceno, momento em que conversaram por quase três horas e trocaram impressões sobre as lutas empreendidas por ambos. |
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