A Quando buscamos compreender o que foram as lutas por direitos sociais reivindicados pelo movimento social negro brasileiro, constatamos que todas as conquistas de acesso à políticas reparatórias essenciais como a abolição da escravidão de 1888, direito à educação, direito ao voto, direitos constitucionais somente a partir da construção cidadã de 1988, direito às políticas de cotas raciais nas universidades públicas e direito à equidade nas disputas eleitorais com a garantia constitucional de repasses do fundo público eleitoral de forma proporcional às candidaturas negras filiadas aos partidos políticos.
Todas essas conquistas foram resultado de muito debate público, disputa de narrativas, revisão histórica e muito discernimento para convencer o setor político de que as reparações históricas precisavam ser realizadas com muita urgência.
Na mesma medida em que essas poucas conquistas foram se tornando uma realidade na luta antirracista e por direito sociais da população negra, presenciamos com extrema preocupação mais uma tentativa vergonhosa de retirada dos direitos conquistados ao longo das últimas 10 décadas com muita resiliência, luta e resistência da comunidade negra brasileira.
É importante analisarmos que a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 9/2023), que concede “anistia” aos partidos políticos que não destinaram o fundo público eleitoral de forma proporcional às candidaturas negras, representa um ataque direto à democracia e aos direitos constitucionais.
Tentar minimizar danos retirando do documento apenas o texto relacionado às questões de gênero não responde ao amplo debate sobre a retirada de direitos da comunidade negra, sobretudo porque a destinação desses recursos precisa ser justificada e disponibilizada no portal da transparência para que os diversos seguimentos do movimento sociais negro, ativistas políticos, imprensa tenham acesso às informações que podem contribuir para aprofundar o debate público sobre a PEC 9/2023.
O que se apresenta como caminho, a partir da aprovação da PEC da anistia na Câmara dos Deputados, é a consolidação do racismo cordial que condiciona, inclusive, o partido governista a orientar voto favorável à aprovação da proposta de emenda constitucional incluindo parlamentares negros que, mesmo contrários à orientação e divergindo do texto aprovado, foram votos vencidos à aprovação da PEC.
O que se espera é um debate mais qualificado, sensato e com mais tempo de analises no senado federal com a criação das comissões e com a participação da sociedade civil organizada debatendo e buscando caminhos alternativos para se chegar a uma decisão que não viole os direitos constitucionais e que garanta a participação plena e integral da população negra brasileira nas disputas por espaços de poder e de protagonismo político em todas as esferas da federação. O protagonismo negro está em risco, da mesma forma em que recentemente esteve a nossa democracia.
Tata Dimixi Dyá Nzambi -Tadeu Kaçula
Sociólogo, Curador, Escritor Doutorando e Mestre em Mudança Social e Participação Política (ESCH-USP),