O Brasil, como se sabe, é uma das mais relevantes expressões culturais e territoriais da diáspora negra – expressão cunhada nos meios acadêmicos desde a segunda metade do século XX -, tendo, portanto, diversas manifestações afrorreferentes. Destacamos no presente projeto a presença africana bantu no Brasil. Dizer bantu, além de referir-se a um significativo conjunto linguístico africano de tronco comum, compreendido em várias centenas de línguas entre a África Central e a África Austral, é também referir-se a um vasto conjunto de culturas e cosmologias que se fazem presentes em países como Cuba, Haiti, Estados Unidos e, sobretudo, Brasil, formando propriamente o que se pode chamar de cultura brasileira nas artes, na língua e em importantes organizações sociais como os quilombos, em organizações sócio-religiosas como a Umbanda, o Candomblé de linhagem congo-angola, os Congados e Reinados, assim como em outras relevantes e complexas expressões da cultura brasileira, a exemplo dos maracatus e da capoeira.
A ida de Tiganá Santana e Leda Maria Martins a Luanda representa uma real conexão entre diáspora negra e continente africano concretizada num conjunto de ações (mesa redonda e oficina imersiva) que informam a Angola sobre um debate atualizado e aprofundado a respeito do Brasil criativo negro, e ao Brasil, quando do retorno dos artistas-pensadores ao Rio de Janeiro, sobre o que tem sido construído e pensado, contemporaneamente, com base no território angolano.
Ou seja, trata-se de, ao menos, mitigar o equivocado imaginário de uma África que se concentra no passado para o público brasileiro, ao tempo que se trata de recolocar ao público angolano a retomada atual de uma conexão expandida de determinados setores de criação e pensamento brasileiros com o continente africano.
A mesa redonda será no dia 29 de outubro, no auditório do Instituto Guimarães Rosa(Centro Cultural Brasil Angola) aberta ao público. Além de Tiganá e Leda, contará também com a presença do escritor e músico angolano Kalaf Epalanga e a mediação da escritora e jornalista brasileira Ana Paula Lisboa. A abertura da mesa será realizada pelo autoridade tradicional do terreiro de candomblé de matriz kongo angola Inzo Tumbansi, Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi. No dia 31 de outubro, Leda e Tiganá farão uma oficina imersiva com cerca de 15 importantes agentes culturais angolanos de variadas linguagens e poéticas, em evento reservado às pessoas convidadas para que sejam escutadas, a partir de uma questão disparadora, e tenham as narrativas de criação e atuação transportadas para o Brasil, como um intercâmbio poético-reflexivo.
Tiganá Santana
Compositor, cantor, instrumentista, poeta, produtor musical, diretor artístico, curador, pesquisador, professor e tradutor. O multi-artista foi o primeiro compositor brasileiro, na história fonográfica do país, a apresentar um álbum, como compositor, com a presença de canções em línguas africanas. Doutor em Letras pela Universidade de São Paulo, apresentou a tese “A cosmologia africana dos bantu-kongo por Bunseki Fu-Kiau: tradução negra, reflexões e diálogos a partir do Brasil”, que recebeu o “Prêmio Antônio Cândido” de melhor tese. Entre suas produções mais recentes figuram o trabalho “Floresta de Infinitos” (2023), em parceria com o artista e professor Ayrson Heráclito para a “35ª Bienal de São Paulo — Coreografias do Impossível”; a curadoria da exposição “Línguas Africanas que Fazem o Brasil”, no Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo e o lançamento do álbum “Caçada Noturna” (2024).
Leda Maria Martins
É poeta, ensaísta, dramaturga, professora. É doutora em Letras/Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mestre em Artes pela Indiana University e formada em Letras pela UFMG. Possui pós-doutorados em Performance Studies pela New York University e em Performance e Rito pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Leda é também Rainha de Nossa Senhora das Mercês da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário no Jatobá, em Belo Horizonte. Em seu pensamento e proposições teóricas cruzam-se epistemologias e cosmovisões de várias matrizes cognitivas, como as derivadas dos saberes africanos transcriados nas Américas.
Kalaf Epalanga
Músico, cronista e editor discográfico. Na segunda metade dos anos 90 mudou-se para Lisboa, com o objetivo de obter a melhor formação académica possível e regressar a Angola. No entanto esses dois desejos sofreram um desvio quando se viu sem as rédeas familiares e um mundo novo a revelar-se diante de si. A aventura poética iniciou-se nos finais de 1998, numa altura em que Lisboa ensaiava novas linguagens rítmicas, buscando novos caminhos para a música urbana feita em português – multiplicou-se em colaborações, criando cumplicidades artísticas com Sara Tavares, Sam The Kid, Type, Nuno Artur Silva, entre outros, e, em 2003, juntou-se ao produtor João Barbosa, formaram o duo 1 Uik Project e fundaram a Enchufada, núcleo de produção musical, editora independente responsável pela edição do projeto Buraka Som Sistema, e com estes partiu para o mundo.
Ana Paula Lisboa
Favelada e carioca de nascimento. Atualmente divide a vida entre o Rio de Janeiro e Luanda, onde dirige a Aláfia e a Casa Rede, espaços de produção de arte e cultura na capital angolana. Escritora, publicou contos e poesias em coletâneas nacionais e internacionais e, desde 2016, escreve periodicamente para a revista feminista AzMina e para o Segundo Caderno do jornal O Globo.
Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi (Walmir Damasceno)
Autoridade tradicional do Terreiro de Candomblé Inzo Tumbansi, localizado em Itapecerica da Serra (SP), e diretor do Instituto Latino Americano de Tradições Afro Bantu e Doutor Honoris Causa pela UNIFESP, onde integra o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros(Neab/Unifesp). Taata Katuvanjesi é um grande articulador entre lideranças políticas, religiosas e culturais no Brasil, na África e na América. Foi nomeado em 2008 Diretor para o Brasil e a América Latina no Centro Internacional de Civilizações Bantu (CICIBA), cuja sede é na República do Gabão. Em 2010, em Cabinda (Angola) passou por nova iniciação junto ao um quimbanda que lhe transmitiu os segredos espirituais do povo Bakongo. Em 2015, foi recebido pelo soberano do Bailundo, Ekuikui V, que lhe recebeu como autoridade máxima. Em 2019 passou a compor como coordenador adjunto do Movimento Federalista Pan Africano, sediado no Senegal, como coordenador-executivo para o Brasil. É Mwanangana do Reino Lunda Tchokwe, o primeiro na diáspora afro americana representante do Rei Mwene Muatxissengue Wa Tembo No mesmo ano, foi indicado para representar o Centro Internacional de Pesquisa e Documentação sobre Tradições e Idiomas Africanos (CERDOTOLA) no Brasil.