*por Tata Dimixi (Tadeu Kaçula)



Manter vivas as tradições africanas e afro-brasileiras é um compromisso que assumo com orgulho e responsabilidade como iniciado do terreiro de candomblé de nação Congo-Angola Inzo Tumbansi, sob a liderança de Tata Nkisi Katuvanjesi, nome africano brasileiro de Walmir Damasceno. Neste espaço sagrado, a preservação das tradições, de feição Bantu, é uma prática cotidiana, que se desdobra em diversas ações. Uma delas é a realização periódica do encontro chamado Conversa de Terreiro, momento em que nos reunimos para aprender, refletir e fortalecer nossas raízes culturais e espirituais.
No domingo, dia 13 de abril, fui convocado pela Makota Mujikwele (Gleyse Damasceno) a participar de mais uma dessas giras reflexivas. O tema da vez, “Ritmo que não para”, nos convidou a pensar sobre o papel do samba dentro da cultura bantu e suas conexões profundas com os terreiros de candomblé. Estive ao lado de Breno Bené, sambista e líder do Centro de Cultura Negra Fruta do Pé (RJ), de Nunah Matambeleoji e do mestre Marcelo Caverna — presenças potentes e comprometidas com o fortalecimento da nossa ancestralidade.
Na minha fala, busquei contextualizar as origens epistemológicas do samba, compreendendo-o para além da música e da dança: como expressão viva de uma cosmologia que pulsa nos corpos, nos rituais e na coletividade. O samba, em sua essência, carrega uma potência cosmológica que dialoga diretamente com os terreiros. Ele é ritmo, é resistência, é elo com o sagrado.
Ressaltei a importância de buscarmos conhecimento dentro da cosmologia bantu, sobretudo porque, a partir dessa perspectiva, nada está desassociado. Tudo está interligado — o corpo, o tempo, a natureza, o espírito. Para ilustrar essa ideia, recorri ao marco crítico-conceitual desenvolvido pelo professor doutor Juarez Xavier, que propõe a reflexão sobre as três rodas sagradas do universo negro brasileiro, ferramenta que nos ajuda a compreender a complexidade e profundidade do nosso modo de existir no mundo.
Ao final da gira, saímos com a certeza da necessidade de manter essas Conversas de Terreiro ativas, pois elas são espaços preciosos de troca, aprendizado e fortalecimento do nosso capital cultural. A continuidade desses encontros é uma forma de garantir que nossa tradição siga viva, vibrante, em movimento — como o próprio ritmo do samba.
Senti-me honrado por contribuir com essa gira. Como iniciado da nossa casa, compreendo que, ao buscar conhecimento, também sou responsável por compartilhar o capital cultural que venho acumulando ao longo da minha trajetória sociocultural e acadêmica. É nesse ciclo — de aprender, vivenciar e partilhar — que seguimos honrando nossos ancestrais e fortalecendo nossa comunidade.
Porque o ritmo, esse, não para.
*Tata Kambandu Dimixi, Tadeu Kaçula, de Nkosi, do Inzo Tumbansi, tem mestrado e doutorado em Mudança Social e Participação Política pela Universidade de São Paulo(USP), pós-doutorando em Arte, Arquitetura e Comunicação pela Universidade Estadual Paulista(UNESP). Pesquisador visitante na Universidade de Edimburgo, Reino Unido e na Universidade de Lisboa, Portugal.