Salvador/Bahia – Reconhecido como Território Cultural Brasileiro pela Fundação Palmares, e tombado como Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Terreiro do Bate Folha, ou Mansu Bandu Kenkê (Manso Banduquenqué), é um importante centro de culto afro-brasileiro de Nação Congo-Angola (ou apenas Angola), localizado na cidade de Salvador, capital da Bahia. Na quarta-feira (10/8), celebrará o Nkisi Kitembu (Tempo), uma das divindades mais reverenciadas pelos devotos e fiéis do candomblé.
Neste dia, certamente terá início as celebrações dos 100 anos de fundação do Terreiro, cuja as comemorações do centenário será em dezembro deste ano, precisamente no dia 4, data em que celebra também o Nkisi patrono do terreiro, Uambulu N`sema, serão prestadas justas homenagens ao seu fundador e grande líder religioso de matriz africana bantu, o saudoso Manoel Bernardino da Paixão, Tata Ampumandezu, extensivas a todos os líderes que o sucedeu na condução do Bate Folha. Tata Monguaxi, Cicero Rodrigues Franco Lima, atual dirigente do mais referenciado terreiro de candomblé congo angola do Brasil, e toda comunidade do Bate Folha está empenhada na preparação de grande celebração pelos 100 anos do terreiro.
Na próxima quarta-feira, 10 de agosto, data consagrada ao Nkisi Kitembu (Tempo), e dia de São Lourenço para os católicos, o Bate Folha recebe expressivo público de várias raízes e nações de candomblé. O evento contará com a presença do presidente da Federação Nacional do Culto Afro Brasileiro (Fenacab), bàbàlòórisà-àgbà Aristides Mascarenhas, acompanhado do coordenador nacional do ILABANTU/Nzo Tumbansi, Tata Katuvanjesi – Walmir Damasceno, entre outras personalidades. O Terreiro do Bate Folha, situado na Rua Dionísio Brito Santana, antiga Travessa São Jorge, 65-E, bairro da Mata Escura, é o maior da cidade em termos espaciais e um dos mais antigos em atividade. Fundado em 1916, pelo saudoso Manoel Bernardino da Paixão, Tata Ampumandezu, ocupa uma área de 14,8 hectares, pertencente à Sociedade Beneficente Santa Bárbara, que o representa civilmente. É dedicado ao Nkisi Uambulu N`sema (Bamburucema), equivalente a Santa Bárbara entre os santos católicos e a Iansã na tradição dos orixás. O trabalho com as folhas, cultivadas na mata sagrada (maionga), deu nome ao terreiro. A valorização e o cultivo do conhecimento associado à flora pelos membros do terreiro fazem desse lugar, além de um centro cultural e espiritual, um espaço de preservação ambiental. O Bate Folha destaca-se pela enorme área ocupada por remanescente da Mata Atlântica, cerca de 70% da área total, onde estão árvores sagradas centenárias. Sob o comando de homens — visto que o cargo mais alto na rígida hierarquia deve ser ocupado por iniciados do sexo masculino, no terreiro são cultuados Bankisi (inquices), divindades da tradição bantu. Desde sua fundação, o Bate Folha foi liderado por seis sacerdotes, chamados de Tata: – Manoel Bernardino da Paixão – Ampumandezu (1916 – 1946) Segundo Tata Taua, membro da Comunidade do Bate Folha e presidente da Cobantu, Antônio José da Silva – Bandanguame, os demais sacerdotes: Dijineuanga, Nebanji, Molundure e o atual sacerdote Munguaxi esclareceu que os quatro últimos sacerdotes não tiveram o dom da possessão, porem adquiriram com maestria os critérios restritos e o aval dos Minkisi para exercerem o referido cargo. Lembrando que a iniciação independe de possessão. Desde janeiro deste ano foi iniciado o processo das comemorações dos 100 anos de existência, afirmando que o atual Sacerdote do Terreiro não tem possessão porem a continuidade, o êxito, os procedimentos externos e restritos continuam na mais perfeita ordem. Os terreiros, lugares de preservação da memória, refletem em seus espaços físico e simbólico aspectos de sua sociedade de origem. No caso do Bate Folha, sua estrutura de ocupação assemelha-se à dos terreiros Jeje-nagô, com exceção do área destinado ao processo de iniciação. Conforme descrição contida no Parecer n. 163/03- 7ª SR/ Iphan (IPHAN, 2003, f. 147), na parte mais alta, plana e próxima à atual entrada principal estão localizadas as duas edificações principais do terreiro: a casa grande ou templo principal — onde estão o Mbakisi (Runcó), a cozinha ritual, as áreas de estar e os cômodos dos principais sacerdotes — e o Mabaia (barracão), onde têm lugar as celebrações públicas. Neste último prédio estão também os santuários de Lemba (Oxalá), Bamburucema (Iansã) e Nzazi, (Xangô). Na área fronteira a esses dois edifícios está localizada a maioria dos pequenos santuários individuais dedicados às divindades cultuadas no terreiro. Ao fundo dos dois edifícios principais, encontra-se a casa dos Kambandu (mestres tocadores de atabaques e músicos sacros; o santuário do deus Kitembu (Tempo), numa gameleira; quatro assentamentos de Nzila (Exu) e, devidamente afastada da área de culto dos Bankisi (inquices), já dentro do mato, a casa de Nvumbi ou dos antepassados. As festas promovidas pelo terreiro são momentos de celebração e de socialização, bem como de demarcação de diferenças e semelhanças. A linguagem utilizada nos rituais, chamada de língua angola, é, na verdade, uma mistura de outras línguas africanas e da língua portuguesa e, de acordo com Ordep Serra, “funciona como um código religioso e um marcador de identidade”. De acordo com Raul Lody, em comunicação para o Iphan no âmbito do processo de tombamento do Terreiro do Bate Folha, seu ciclo anual de festividades compreende onze festas, com momentos privados e públicos, fortemente associadas ao calendário católico: – Festa de Lemba – no primeiro sábado de janeiro, com duração de dezesseis dias, entre rituais privados e públicos, em homenagem ao Nkisi (Inquices) responsável pela criação do mundo e do homem; O prestígio do Terreiro do Bate Folha na sociedade em geral e entre as outras nações é tal que Mãe Stella de Oxóssi, Yalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, solicitou o seu tombamento em nível federal, alegando a necessidade de se preservar um espaço de culto de nação Angola. A categoria nação utilizada no candomblé refere-se ao lugar de origem de seus fundadores e, consequentemente, à língua falada. Negros congos e angolas, como foram chamados no Brasil, são povos do grupo etnolinguístico bantu, oriundos da região onde hoje são Congo, Angola, Moçambique e outros países do sul da África. A sua presença no Brasil influenciou enormemente nossa cultura e nosso modo de falar. Utilizamos cotidianamente inúmeros termos de origem bantu (cachaça, quitute, samba), a exemplo de candomblé, que significa rezar, cultuar, orar. O candomblé, resultado de trocas e adaptações entre diversas religiões de diferentes nações africanas trazidas para o Brasil durante o regime escravocrata, é um culto afro-brasileiro, nascido das conformações históricas e sociais de nosso país. Os terreiros, a exemplo do Bate Folha, além de sagrados, são espaços de resistência cultural e de preservação da memória, onde valores e saberes são transmitidos. |
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