Profº Drº Sergio Paulo Adolfo – Tata Kisaba Kiundundulu
Segundo Luc de Heusch em seu livro Le Roi de Kongo et les monstres sacrés (HEUSCH: 2000) os habitantes do Congo, principalmente aqueles que faziam parte do antigo reino do Congo, cultuam as divindades Simbi, Nkita e Nkisi, dependendo do grupo étnico, de diversas maneiras, sendo um pouco diferente a concepção de cada povo em relação as mesmas divindades. Pretendemos nesse artigo, baseados nesse autor, trazer algumas contribuições sobre o assunto, tentando elucidar, através dessas informações, algumas práticas do candomblé de Congo–Angola do Brasil. De acordo com as informações de que dispomos, a classe de espírito mais conhecida e louvada pelos adeptos dos cultos afro–brasileiros de feição bantu são os Minkisi,(sing. Nkissi) registrados em primeira mão por Edison Carneiro, em 1938,(CARNEIRO:1982) num livro chamado Candomblés da Bahia. Também, pelas observações que temos efetuado, o Nkissi é largamente cultuado, em que pese em algumas casas mais sincretizadas com o rito nagô serem denominados e confundidos com os orixás nagô, decorrência do sincretismo com aqueles. No entanto, qualquer angoleiro, por mais milongado[1] que seja, conhece perfeitamente o termo Nkisi e será capaz de falar dele com certa desenvoltura. Modernamente temos percebido o uso dos termos Akixi e Mukixi, para designar essas divindades, o que se dá por influência de algumas leituras, feita por parte de angoleiros mais letrados, e que, no entanto, não corresponde ao conhecimento da massa de fiéis. Para esses, os angoleiros estribados apenas na tradição oral, existem os Minkisi, conhecimento que receberam através dos ensinamentos orais transmitidos pelos mais velhos como é de praxe nessa modalidade religiosa e continuam usando o termo Nkisi para nomear os deuses cultuados em seus templos. O Nkisi é o único que está presente nas rezas, cantigas e na conversa do cotidiano das casas–de–santo de congo–angola. Quanto ao Simbi, apesar de desconhecido da maioria dos angoleiros, de maneira formal, a palavra Simbi aparece em inúmeras cantigas, afora existir um Nkisi por nome Kisimbi, um Nkisi aquático, que também vamos encontrar nos registros de Edison Carneiro e de Luc de Heusch. O Nkita, por sua vez, não aparece nas cantigas, nem nas rezas e louvações, e a única informação mais concreta sobre a sua existência entre nós foi–nos dada por Tatá Tawá, que afirma que o mesmo é cultuado no Bate–Folha de Salvador–Ba., num culto de grande mistério e de maior fundamento ainda, a que só os iniciados da casa, e nem todos, teriam acesso a esse conhecimento e a essa prática litúrgica. No entanto, segundo Luc de Heusch, baseado em outros autores, afirma que os espíritos Simbi e os espíritos Nkita são conhecidos e cultuados em todo o mundo cultural congo, com apenas duas exceções, conforme tabelas abaixo. Nossa investigação procura compreender porque o Nkita, tão conhecido e cultuado no mundo congo não atravessou o atlântico, ou se isso aconteceu, e ele foi esquecido pelos afro–bantu já em solo brasileiro. O simbi, apesar de não ter culto específico como tem o Nkisi, está presente em algumas cantigas, e, apesar do desconhecimento dos angoleiros a respeito do mesmo, ele não se encontra ausente de todo do universo do candomblé congo–angola. Vejamos, num primeiro levantamento, que povos os cultuam na África congolesa e qual a natureza e funcionalidade desses espíritos. Como dissemos acima, um desses espíritos, Kisimbe, é cultuado no Brasil como uma entidade aquática e é do sexo feminino. Não há outros Minkissi com esse nome ou um nome semelhante. Mas o espírito Kisimbe é encontrado entre os Villi povo habitante do nordeste de Cabinda. Também entre os Mpangu–Ntandu, ele, o Kissimbe, é quem preside a cerimônia iniciática do Kimpasi. Vejamos como cada povo, listado por Heusch, define a natureza dos espíritos Nkita e Simba. Congo meridional – justapõe Nkita e Simbi Mpangu–Ntandu Ndibu Mbata Yombe (pl. Baiombe) O Nganga Mbenza – sacerdote de Nkitas os usa para tratar de doenças não de origem de nascimento Os nkita vivem nos cascalhos sob o solo, e os Simbi vivem nas fontes e rios. Mboma Woyo (pl. Bauoio) Villi (pl. Bavili) Cultuam os Nkissi e desconhecem os simbi e os Nkita. No entanto, cultuam o Kissimbi, o espírito que preside o Kimpasi entre os Mpangu–Ntandu., e entre eles, os Villi, o Kissimbe é um espírito das águas. Teke ou tio (pl. Bakoki) Cultuam os Nkita que chamam de Nkira, que são espíritos da natureza responsáveis pela fertilidade. Cada aldeia possui seu Nkira benfazejo cujo sacerdote é o chefe da aldeia local. Mas também há dois outros sacerdotes, o primeiro encarregado das preces ao Nkira e outro encarregado dos sacrifícios. O primeiro, mora próximo do local onde o Nkira permanece, próximo a um rio ou a floresta, enquanto o outro mora no santuário do Nkira, normalmente em frente a casa do chefe da aldeia. Kukuya Congo Brazzaaville – mesmo grupo lingüístico dos Tio Cultuam os Nkita (Nkira) que são espíritos aquáticos e estes possuem poderes terapêuticos. Tabela 1
Tabela 2Povos que cultuam minkissi na condição de espíritos Ctônicos
Como podemos perceber, de acordo com Heusch, apenas três povos cultuam os Minkissi, sinal claro de que o Candomblé de Congo–Angola do Brasil foi fundado por pessoas oriundas dessas etnias. Esses três povos formavam outrora os reinos de Loango, N’Goio e Kakondo, tributários do antigo Reino do Congo, e que hoje, formam o enclave de Cabinda, pertencente ao país de Angola. Apesar dessa afirmação de Heusch, o Pe. Martins em seu livro sobre os povos de Cabinda nos informa que: “3. Em certos ritos, festas e observâncias, onde o culto se dirige directamente ao “delegado” do Nkisi Nsi: os Nkita, Kimpasi, Mbumba Luando, sendo estes, por sua vez, dependentes do Nkisi Nsi e a ele consagrados. Estas informações do Pe. Martins contradizem as de Heusch, pois para o segundo, como vimos, apenas os Baiombe, entre os povos de Cabinda, conhecem o Nkita, como um espírito terrestre. No entanto, Pe. Martins afirma com todas as letras que, os Nkita eram conhecidos de todos os clãs que habitavam o país de Cabinda. (…) Meme situation chez les Woyo qui ignorant les nkita. En outre, ceux–ci n’accordent aux simbi qu’un rang subalterne: ils sont les enfants ou les envoyés des grands esprits chtoniens bakisi ba si, qui seuls sont l’objet d’un cult régulier (Mulinda, 2985, p. 150 et 331) (Heusch:2000)[2] Um ponto em comum, destacado pelo autor de Les Rois de Kongo é que todos esses espíritos chegam até os homens através do transe e da revelação em sonhos. Também a forma de cultuá–los é muito semelhante entre estes povos, seja em relação ao Simbi, ao Nkita ou ao Nkissi. O elemento principal de sua representação é uma pedra, retirada do leito de um rio, por pessoas em transe com o espírito. Essa pedra é, quase sempre, colocada num cesto, acompanhada de pemba, argila vermelha, pó de tacula e outras especiarias, tudo regado a vinho de palma. As qualidades e funções desses espíritos, quase sempre protetores, varia de povo para povo como vimos, sendo que entre alguns o Nkita é sempre agressivo, enquanto que para outros a agressividade cabe ao Simbi. Quanto à natureza intrínseca deles, para uns o Simbi é aquático e o Nkita terrestre ou vice–versa. Apenas para os três povos de Cabinda, cultuadores do Nkissi é que este sempre, com exceção do Nkondi e do Nkossi, que são por sua vez, utilizados pelos Bandoki, no intuito de feitiçaria, todos os demais Minkissi tem o poder benevolente de curar, trazer prosperidade, colheitas fartas e chuvas benfazejas. Os Nkita, os Simbi e os NKissi fazem parte do cotidiano desses povos e os ajudam a vencer as batalhas do dia–a–dia. O nkita no BrasilComo dissemos anteriormente, diferentemente de Cuba, onde nas tradições do Palo Congo o Nkita é reconhecido e cultuado (ver referência) ou no Haiti com seu culto ao Simbi, no Brasil apenas o Nkissi é cultuado nos candomblés de congo–angola, sendo a única referência ao Nkita aquela informação dada por Tatá Tawá que é membro da prestigiosa e tradicional casa do Bate–Folha, sediada em Salvador–Ba. O simbi aparece em algumas cantigas, mas nem sempre é notado pela maioria dos fiéis que os confunde com Kissimbe, um importante nkissi das águas doces. No entanto, Luc de Heusch nos chama atenção para o fato de que um elemento comum entre esses povos da área lingüística do congo é o transe. No kimpasi, a grande cerimônia de iniciação entre os bakongo, o transe acontece com a tomada do neófito por um espírito Nkita. Também o autor nos adianta que os simbi e os nkitas são considerados por alguns povos como espíritos subalternos, mensageiros dos espíritos ctnônicos, os Nkisi basi. Entre os paleiros[3] cubanos há uma concordância que os nkita e simbi sejam espíritos da natureza e os Minkissi seriam forças ctônicas semelhantes aos orixás nagôs e aos voduns gege. No Brasil, essa informação não é muito clara entre o povo–de–santo angoleiro, pois como vimos os simbis e nkitas não são cultuados diretamente. 1) Os Minkissi, que são as grandes forças ctônicas, formadoras do universo; 2) Os espíritos elementais da natureza, como os simbi e os nkita, sendo os primeiros espíritos aquáticos e os segundos espíritos terrestres; 3) Os espíritos dos antepassados, tanto os bons (os bakulu) quanto os maus, (os matebo ou nkuyu). No entanto, é necessário atentar que os bakongos são compostos de vários povos com concepções religiosas nem sempre coincidentes, pois como vimos, se todos são acordes que os simbi e os nkita são espíritos da natureza, nem sempre são acordes quanto se são aquáticos ou terrestres ou se são bons ou maus. Para nós, em nossa linha de investigação temos nos concentrado nos povos que hoje compõe a província de Cambinda – sobretudo aqueles pertencentes ao outrora reinos de Loango, Kakondo e N’Goyo, porque estes apresentam traços similares a religiosidade praticada no Brasil pelo povo–de–santo angoleiro. Inclusive em Cambinda, vamos encontrar a associação dos mascarados ndunga, e da instituição do Mbingo, de que já tivemos oportunidade de comentarmos em outro trabalho. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASCarneiro Edison. Candomblés da Bahia. São Paulo: Editora Tecnoprint, 1982. [1] Termo usado pelos candonblecistas da vertente congo–angola para designar aqueles templos muito misturados com ritos de outras nações. [2] Mesma situação entre os Woyo que desconhecem os Nkita. Por outra, eles atribuem aos Simbi um traço subalterno: eles são as crianças ou os enviados dos grandes espíritos chitonianos bakisi ba si que são o objeto deles de um culto regular. (tradução minha) [3] Palo Monte ou Palo Mayombe são os cultos de possessão bantu em Cuba. Essas formas religiosas se reconhecem como de origem congolesa. |
muito boa sua esprecasao nkissi que voce dar para povo banto nzambi na quatesala mukuiu
Bela história, nós povos da Nação Angola precisamos conhecer a sua história para cuidarmos dos nossos Nkises certo para termos caminhos ,felicidades e amor nas nossas vidas
Olá,
Me interessei bastante pelo texto e venho procurando o livro citado nas referências “Le Roi de Kongo e les monstres sacrés” há um bom tempo. Por um acaso vocês teriam alguma versão digital da obra?
Att.:
Pedro Cabral
Olá!
Cheguei a esse site justamente por dúvidas sobre quem seria Nkita, pois há um cantiga para Nsumbu que, segundo a tradução que encontrei, diz que “Nsumbu viaja com Lembá Dilê para lutar contra Nkita e defender o povo da aldeia”.
Quando ouvi essa tradução, fui pesquisar e achei esse site, o que faz todo o sentido para os yombe, que vê os minkita como espíritos agressivos, a ponto de dois minkisi se deslocarem para defender uma aldeia!
Muito bacana!
O artigo está cortado , uma pena pois atrapalha o raciocínio. Muito interessante para conhecimento. Se poder enviar-me eu agradeço dês já.