Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi discursa no dia Nacional de Combate a Intolerância Religiosa

São Paulo/SP – A cidade de São Paulo celebrou dia 21 de janeiro, com um ato ecumênico no Anhangabaú, centro de São Paulo, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. A data decorre da Lei nº 11.635, sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2007, como homenagem à Iyalorixá baiana Gildásia dos Santos. Hipertensa, Gildásia teve um infarto na data, em 2000, depois que sua imagem foi utilizada no jornal evangélico Folha Universal acompanhada do título “Macumbeiros Charlatães lesam o bolso e a vida dos clientes.

Inúmeras religiões enviaram representantes ao ato de São Paulo. O prefeito Fernando Haddad participou do evento, assim como a ministra da Secretaria de Políticas de Promoções da Igualdade Racial, da Presidência da República, socióloga Luiza Bairros, que representou a Presidenta Dilma Rousseff.

Haddad comentou sobre a relação da igualdade religiosa e a criação da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial na cidade, comandada pelo vereador Netinho de Paula (PCdoB). “Foi uma promessa de campanha. Isso tem uma projeção para além da cor da pele, porque São Paulo é uma cidade de muitos povos e tem a questão religiosa e a intersecção com a questão afro, as religiões afro e a tolerância. O sucesso dessa convocação, com a presença de várias lideranças religiosas, é uma forma de São Paulo dizer que quer viver em paz.”

Sobre os efeitos concretos que o ato ecumênico possa ter em relação às manifestações de preconceito e racistas em São Paulo contra religiões de matriz africana, Haddad afirmou que “atos como esse podem trazer mudança”. “Expressiva maioria da população de São Paulo abraça essa causa de convivência pacífica, de respeito e tolerância. Existe uma pequena minoria a quem o recado aqui é dado”, disse o prefeito. “Este é um convite à reflexão de uma pequena minoria que ainda resiste à cultura da paz, para ela é que dirigimos nosso apelo.”

A ministra da Secretaria de Políticas de Promoções da Igualdade Racial, Luiza Bairros, foi enfática ao falar da “gravidade dos casos que têm acontecido de agressões físicas, ameaças de depredação de casas e comunidades”. Ela ressaltou: “Isso já chegou a um ponto que consideramos insuportável e que não se trata apenas de uma disputa religiosa, mas de uma disputa por valores civilizatórios.” Também nomeou aqueles que acham os mais intransigentes na discriminação: “Nesse conflito, está explícito que setores especialmente evangélicos e pentecostais gostariam que essas manifestações [afro] desaparecessem da sociedade brasileira, o que certamente não ocorrerá”.

Na mesma linha de pensamento foi seguido pela deputada estadual paulista, a cantora, compositora e sambista carioca de Madureira Leci Brandão (PC do B/SP), que tem colocado o seu mandato à disposição do povo-de-santo, e se empenhado com especial interesse na defesa e proteção das comunidades tradicionais de povos de terreiros das matrizes africanas.

Após o ato ecumênico, o evento seguiu com apresentações do Padre Marcelo Rossi (Igreja Católica), da cantora e deputada estadual pelo PCdoB-SP Leci Brandão (Tradições de Matriz Africana), da cantora Jamily (Igreja Evangélica), do Olodum e dos grupos Art Popular, Samprazer e Katinguelê.

Ao participar das celebrações junto a outras autoridades religiosas, como convidadas do Secretário Municipal da Igualdade Racial de São Paulo, Netinho de Paula e da Fundação Cultural Palmares/FCP/MinC, o Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi – Walmir Damasceno, do ILABANTU/Nzo Tumbansi, que também é Sacerdote afro, jornalista e bacharel em direito, declarou que o Artigo 3o da Constituição de 1988 afirma como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, entre outros, a liberdade de crença, que é inviolável. O mesmo artigo assegura o livre exercício dos cultos religiosos e garante a proteção aos locais de sua prática. O Artigo 19 estabelece ainda que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios embaraçar o funcionamento dos cultos religiosos.

Trata-se de um direito afirmado há décadas, que foi com o passar do tempo consolidado em inúmeros tratados e acordos internacionais ratificados pelo Brasil. O que dizem estes textos internacionais tem, portanto, poder de lei em nosso território. O Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, por exemplo, diz que “todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em publico ou em particular”. Já a Convenção Americana de Direitos Humanos acrescenta que “ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças”.

Constatando que o desprezo e a violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, em particular o direito a liberdade de religião, causaram direta ou indiretamente guerras e grandes sofrimentos à humanidade, instigando o ódio entre os povos, e reconhecendo que é essencial promover a compreensão, a tolerância e o respeito nas questões relacionadas com a liberdade de religião, as Nações Unidas aprovaram uma declaração específica sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e discriminação fundadas na religião.

O texto afirma que “ninguém será objeto de discriminação por motivos de religião ou convicções por parte de nenhum Estado, instituição, grupo de pessoas ou particulares”, e que “a discriminação entre os seres humanos por motivos de religião ou de convicções constitui uma ofensa à dignidade humana e uma negação dos princípios da Carta das Nações Unidas, e deve ser condenada como uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais”. Os Estados que assinaram a declaração, entre eles o Brasil, se comprometeram a fazer “todos os esforços necessários para promulgar ou derrogar leis, segundo seja o caso, a fim de proibir toda discriminação deste tipo e por tomar as medidas adequadas para combater a intolerância”, sentenciou Katuvanjesi.

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