O Candomblé como afirmação da diferença

Walmir Damasceno – Taata Kwa Nkisi Katuvanjesi

A manutenção do arcabouço cultural de matriz bantu realizado pelo Terreiro de Candomblé Nzo Tumbansi se insere em um processo de resistência a aculturação imposta ao longo dos séculos pela visão de mundo dominante aos povos africanos escravizados e trazidos para o Brasil.

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Falar sobre o modo como o candomblé se resignificou na diáspora negra é falar em uma perspectiva crítica diante dos valores morais e epistêmicos impostos como verdadeiros e universais.

No Brasil, o candomblé se configura como um centro formador de conhecimento em uma perspectiva holística, no qual os sujeitos envolvidos nesse processo são motivados a experimentarem outras formas de aprendizado por meio de uma pedagogia que privilegia a fala de seus guardiões na qual estão presentes as divindades cultuadas e, sobretudo a vivencia comunitária com os demais membros partilhadores dos significados construídos nos Terreiros.

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Os Candomblés realmente comprometidos com a história do povo negro da diáspora no Brasil, se apresentam como símbolos de descolonização das mentes de negros e negras, a despeito dos esforços institucionais e do senso comum formados pelas interações sociais pautadas no racismo que cotidianamente tratam as manifestações de origem africana ou sob uma enfoque maniqueísta na qual são apresentadas intrinsecamente portadoras de um mal essencial ou sob a modalidade folclórica onde essas manifestações são apresentadas de um modo ingênuo e inócuo.

Nas Casas de Minkise, no caso dos candomblés angola, o saber não é dual como na tradição judaico-cristã e base da visão de mundo ocidental, nesses candomblés, o saber é múltiplo, vivo, condensador de cada arquétipo, de cada nkissi, o saber é plural.

E está pluralidade é conseqüente com o tipo de moral que não necessita para existir, destruir o outro, o diferente, portanto se consolida como uma moral que absorve a diversidade, a diversidade étnica, sexual, socioeconômica e também religiosa.

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Desse modo, a presença de sacerdotes ou filhos(as) de santo de sexualidade não hetero-normativa são comuns e visto sem recusa ou espanto pelas comunidades de terreiro, constituem não o diferente, mas sujeitos integradores da narrativa e modo de ser dessas comunidades. Assim como o papel desempenhado pelas mulheres, diga-se, papel central, pois foram elas as precursoras da resistência etnico-religiosa em terras brasileiras, importância evidenciada não somente nos mitos de origem, mas em toda efetividade da liturgia bantu.

Quem foram os responsáveis pela ressignificação, manutenção e conservação dos elementos culturais legados à manifestação religiosa do Candomblé no Brasil. Sim, foram não só os africanos e seus descendentes, mas também atores sociais indígenas, mestiços, pessoas que não estavam inseridas no status quo dominante e, por conseguinte representavam outra visão e forma de atuar no mundo, modo de ser que muitas vezes eram, quase sempre, radicalmente contrários aos interesses da dominação colonial e, devido a isso necessitaram dotar seus saberes e forma de transmiti-lo de forma acessível apenas aos seus iniciados, com o fim de evitar os processos de aculturação exercidos pela ótica repressiva.

Nessa dinâmica, os excluídos de uma estrutura formal de inclusão através da educação, por exemplo, tinham um espaço privilegiado de conhecimentos de mundo no qual atuavam as suas próprias divindades.

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Hoje o Candomblé continua a ser um irradiador de uma pedagogia libertária, no momento em que nos convida a reavaliar a visão de mundo ocidental, seus equívocos e desdobramentos daninhos para a conservação humana neste planeta.

No momento em que se colocam divindades femininas com o mesmo grau de importância em sua liturgia, diz enfaticamente que há algo de errado com a perspectiva patriarcal e machista que colocam as mulheres de forma subalterna nas interações sociais dessa sociedade. Ou quando se diz sobre a natureza transgênico de certas divindades também se afirma que não há um mal implícito na orientação sexual de alguém.

Categorias Universais de bem e mal não são tratadas da forma displicente com a qual a visão dualista se habituou a enxergá-las, mas sim relativizadas em toda sua complexidade.

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